O TROPEIRO NATALÍCIO
O chicote estalou no ar.A burrada deu
marcha a frente e foi trilhando o velho Cariri em direção ao nascente.Fardos de
algodão sobre o lombo dos amimais deixavam fiapos brancos pendurados nos galhos
da jurema preta demarcando a trilha.Campina Grande era alí,bem alí,pertinho,coisa
de dois dias de viagem,só isso.
Eu, Natalício Celestino, sou do
Pilar,aqui mesmo na Parahyba.Trago de pia a graça de Natalício Celestino dos Santos.O
resto é de menos importancia.Quem já viu vida de pobre parir história
O caso eu conto porque lá estive,vivi a
cofusão,e o que não vivi conto de caso contado por boca honesta,sem o falso nem
a pabulagem.Assunte bem,assim foi a guerra de doze, que sendo exato no discorrer
da palestra,começou em onze.Mania do povo de dar nome ao tempo!O tempo por
si,já tem suas datas.
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O FOGO DA FAZENDA
AMARO
O mês era março,o ano, mil novecentos e
doze.Naquela madrugada, quase fim de noite em frente a casa-grande do Areial
vislumbrava-se já as sombras de uns duzentos homens em armas,estavam
ansiosos,armas azeitadas esperando a palavra final.
Da porta lateral da casa-grande surge a
figura do Dr. Augusto Santa Cruz,o rifle em uma das mão.Em pé na
calçada,contempla seus homens,seu olhar esquadrinha o pátio da fazenda e vai se
perder no horizonte naquele início de manhã invernosa.
- Meninos,estão prontos?
O negro Vicente,se adianta.Responde
por todos:
-Sim senhor!
Santa Cruz,solta a voz:
-Então vamos.Vamos tocar
fogo neste Cariri!
Espingardeiros sombrios,comandados pelo
negro Vicente do Areial,tendo por chefe supremo o Dr.Santa Cruz,tomaram a
estrada.Alpercatas e cascos de animais deixavando rastros na terra amaciada pelas
águas de março.Pouco falavam.Combinado já estava tudo,detalhes esmiuçados nos
dias de preparação.A fazenda Carrapateira que esperasse,o furação ia a galope.
O Coronel Pedro Bezerra da Silveira Leal,
senhor de muitas terras e homens,detentor de prestígio político e mandatário em
Alagoa do Monteiro,era no momento,um dos maiores inimigos do Dr. Santa Cruz.Viver
sob a alça de mira do negro Vicente do Areal era arriscoso por demais.
A fazenda Carrapateira,um dos redutos do
Coronel Pedro Bezerra, encontrava-se no momento guarnecida por alguns
policiais,força pública paga para dar segurança ao Coronel.Surpreendidos pelos
cabras de Dr.Augusto,quase nenhuma reação esboçaram.A cabroeira cercou a casa
da fazenda,prendeu os policiais - dez ou onze,não tenho a medida exata.Seu
Hino,um cabra do Dr.Santa Cruz,afoito que era,queria por queria sangrar os
soldados,O Doutor não permitiu,desarmou-os e soltou-os.Virando-se para seu Hino
que se encontrava perto de uma janela cutucando as unhas das mãos com a ponta
de um punhal,ponderou:
-Que é isso,Seu Hino?Não
tenha pressa,tudo tem seu tempo.
Tiro dado,tiro errado.O Coronel Pedro
Bezerra não se encontrava na fazenda Carrapateira,mas sim,na fazenda
Amaro.Informara de pronto um soldado,que nem precisou apanhar muito,só umas
duas ou três palmadas.A fazenda Amaro não era tão perto,mas também longe não
era.Reorganizada a tropa, caíram novamente na estrada .
Dos policiais soltos,um,o Capitão Genuíno
Bezerra desiste da fuga e bandeia-se para os lados da fazenda Amaro,precisava
fazer ciente o Coronel Pedro Bezerra do perigo que vinha a galope.Informado, o
Coronel prepara a defesa.Homens em armas e policiais recolhem-se ao interior da
casa-grande da fazenda,postam-se nas janelas e portas, que eram muitas,tanto na
parte baixa como no pavimento superior - uma verdadeira fortaleza.
Em poucas horas escuta-se o tropel desabalado
dos Centauros broncos que chegam em
fúria. O Dr.Santa Cruz e seus comandados,cercam o casarão,espalham-se pelo
pátio,usam as paredes de um velho engenho que havia em frente a casa-grande da
fazenda como anteparo as balas que por certo teriam de enfrentar.O silencio era
o único som naquela tarde morna.O silencio era estarrecedor,enervava,maculava a
coragem.
O Doutor Santa Cruz não viera
parlamentar,isso já tinha feito,não viera solicitar rendição,isso já não lhe
satisfazia.Perdera o elemento surpresa,disto tinha certeza.Errara a mão na
estratégia.Erro seu comprometendo a luta.Diria seu Hino:
-Nessas coisas de guerra não se deve ter
piedade.
O silencio pesava.A calmaria antes da
procela.Santa Cruz ladeado pelo negro Vicente,interroga:
- Como estamos, Vicente?
- Tudo nos conforme,Sinhozinho.
O Dr. Santa Cruz escora o rifle na
cerca,deita o olho na mira,tem como alvo a porta principal do casarão.
- Fogo!!!
Rompe a fuzilaria.O primeiro a ser
atingido foi o silencio.O inferno abriu as portas.
Dois dias e meio durou o fogo do Amaro.Negociação de nenhuma
parte houve.O ofício das espingardas não produz prisioneiros,mas sim,pasto para
urubus.
As balas feriam as paredes do casarão do
Amaro,vespas de chumbo arrancavam lascas de portas e janelas.Pelas frestas os
sitiados respondiam na mesma linguagem de fogo.
Se por um lado o Dr.Santa Cruz tinha o
negro Vicente auxiliado por seu Hino,dois cabras de fogo nas ventas,que
comandavam o ataque,o Coronel Pedro Bezerra tinha o negro Zumba e Felipe Neri
que sustentavam a defesa,e em nada ficavam a dever aos afamados espingardeiros.
Felipe, desafiava seu Hino aos gritos –
rixa antiga
- Seu Hino, cabra de peia!
Se tu é macho,deita as armas e vamos resolver só nós dois,eu e tu na base do
punhal,no terreiro da casa.
Seu Hino em resposta:
- Apois saia,cabra fraco!
Felipe não saiu.O coronel Pedro Bezerra
não deixou.Felipe tinha família,precisava criar os filhos.
Mortos haviam,e não eram poucos.Corpos
espalhados no pátio da fazenda,denunciavam a face bruta da luta.No interior da
casa-grande a situação era das piores.Mortos havia,a comida rareava,a munição
estava quase no fim e a água,esta,acabara já havia horas.Diante do desespero
daqueles homens mortos de sede,pisunhando
sobre cascas de bala,o negro Antonio Zumba prontificou-se:
- Coronel,se o senhor
quiser e deixar, eu rompo este cerco nos
peito e vou buscar mantimento,munição e água.
O Coronel Pedro Bezerra,alisou o farto
bigode,foi até próximo a janela,olhou pela fresta,lá fora estava escurecendo.O
fim estava anunciado.Durasse o que durasse,o tempo se media em balas.
- Zumba,se é pra se
morrer,que se morra todo mundo junto.
A noite caiu sobre o Cariri.De repente
começou a trovejar no nascente,os trovões foram amiudando e logo se
tranformaram em chuva gossa que desabou sobre o telhado do casarão. Zumba mais
que depressa retirou algumas telhas da cobertura e a água rolou para o interior
da casa em grande quantidade.Sede morta,luta viva. Zumba persignou-se:
- Coronel,milagre existe!
Não se sabe quem,nem o exato momento.O
certo é que a notícia chegou em Alagoa do Monteiro:
– Lá
pras bandas da Fazenda Amaro,o mundo
tá se acabando na bala!
O Tenente Raimundo Rangel,sabedor do fato,reúne
a tropa e parte em marcha batida em direção ao Amaro.Chega atacando Santa Cruz
e seus homens pela retaguarda.O ataque foi preciso,os policiais atiravam de
ponto,e com tiro de mira não se brinca.O Dr. Augusto Santa Cruz recua,grita e
ordena a retirada. Fugir,não fugiu,retirou-se em armas,porém,a escaramuça havia
terminado e ele tinha perdido o embate.
Um misto de alegria e alívio tomou conta
dos sitiados ao deixarem o casarão e se reunirem no pátio. O pesadelo acabara.
Agora era enterrar os mortos – os seus – porque inimigos não merecem covas.
Inimigo,arrasta-se pelos pés e joga-se na Caatinga para servir de repasto a
feras e urubus.
O coronel Pedro Bezerra,ainda abalado com os
acontecimentos,mas com passos firmes,desce os batentes que dão acesso a calçada
da casa-grande,distancia-se um pouco,vira-se em direção a sua morada e
parecendo não acreditar no que vê,fala baixinho alisando o bigode:
- Zumba é que tem
sabedoria,milagre existe.
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