quinta-feira, 15 de outubro de 2015

A GUERRA DE SANTA CRUZ




 O TROPEIRO NATALÍCIO
        

        O chicote estalou no ar.A burrada deu marcha a frente e foi trilhando o velho Cariri em direção ao nascente.Fardos de algodão sobre o lombo dos amimais deixavam fiapos brancos pendurados nos galhos da jurema preta demarcando a trilha.Campina Grande era alí,bem alí,pertinho,coisa de dois dias de viagem,só isso.
        
   Eu, Natalício Celestino, sou do Pilar,aqui mesmo na Parahyba.Trago de pia a graça de Natalício Celestino dos Santos.O resto é de menos importancia.Quem já viu vida de pobre parir história
        O caso eu conto porque lá estive,vivi a cofusão,e o que não vivi conto de caso contado por boca honesta,sem o falso nem a pabulagem.Assunte bem,assim foi a guerra de doze, que sendo exato no discorrer da palestra,começou em onze.Mania do povo de dar nome ao tempo!O tempo por si,já tem suas datas.
                                    
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O FOGO DA FAZENDA AMARO

   O mês era março,o ano, mil novecentos e doze.Naquela madrugada, quase fim de noite em frente a casa-grande do Areial vislumbrava-se já as sombras de uns duzentos homens em armas,estavam ansiosos,armas azeitadas esperando a palavra final.
     
     Da porta lateral da casa-grande surge a figura do Dr. Augusto Santa Cruz,o rifle em uma das mão.Em pé na calçada,contempla seus homens,seu olhar esquadrinha o pátio da fazenda e vai se perder no horizonte naquele início de manhã invernosa.
- Meninos,estão prontos?
O negro Vicente,se adianta.Responde por todos:
-Sim senhor!
Santa Cruz,solta a voz:
-Então vamos.Vamos tocar fogo neste Cariri!
    
  Espingardeiros sombrios,comandados pelo negro Vicente do Areial,tendo por chefe supremo o Dr.Santa Cruz,tomaram a estrada.Alpercatas e cascos de animais  deixavando rastros na terra amaciada pelas águas de março.Pouco falavam.Combinado já estava tudo,detalhes esmiuçados nos dias de preparação.A fazenda Carrapateira que esperasse,o furação ia a galope.
      
     O Coronel Pedro Bezerra da Silveira Leal, senhor de muitas terras e homens,detentor de prestígio político e mandatário em Alagoa do Monteiro,era no momento,um dos maiores inimigos do Dr. Santa Cruz.Viver sob a alça de mira do negro Vicente do Areal era arriscoso  por demais.
     
    A fazenda Carrapateira,um dos redutos do Coronel Pedro Bezerra, encontrava-se no momento guarnecida por alguns policiais,força pública paga para dar segurança ao Coronel.Surpreendidos pelos cabras de Dr.Augusto,quase nenhuma reação esboçaram.A cabroeira cercou a casa da fazenda,prendeu os policiais - dez ou onze,não tenho a medida exata.Seu Hino,um cabra do Dr.Santa Cruz,afoito que era,queria por queria sangrar os soldados,O Doutor não permitiu,desarmou-os e soltou-os.Virando-se para seu Hino que se encontrava perto de uma janela cutucando as unhas das mãos com a ponta de um punhal,ponderou:

-Que é isso,Seu Hino?Não tenha pressa,tudo tem seu tempo.
      
   Tiro dado,tiro errado.O Coronel Pedro Bezerra não se encontrava na fazenda Carrapateira,mas sim,na fazenda Amaro.Informara de pronto um soldado,que nem precisou apanhar muito,só umas duas ou três palmadas.A fazenda Amaro não era tão perto,mas também longe não era.Reorganizada a tropa, caíram novamente na estrada .
    
    Dos policiais soltos,um,o Capitão Genuíno Bezerra desiste da fuga e bandeia-se para os lados da fazenda Amaro,precisava fazer ciente o Coronel Pedro Bezerra do perigo que vinha a galope.Informado, o Coronel prepara a defesa.Homens em armas e policiais recolhem-se ao interior da casa-grande da fazenda,postam-se nas janelas e portas, que eram muitas,tanto na parte baixa como no pavimento superior - uma verdadeira fortaleza.
   
   Em poucas horas escuta-se o tropel desabalado dos Centauros broncos que chegam em fúria. O Dr.Santa Cruz e seus comandados,cercam o casarão,espalham-se pelo pátio,usam as paredes de um velho engenho que havia em frente a casa-grande da fazenda como anteparo as balas que por certo teriam de enfrentar.O silencio era o único som naquela tarde morna.O silencio era estarrecedor,enervava,maculava a coragem.
    O Doutor Santa Cruz não viera parlamentar,isso já tinha feito,não viera solicitar rendição,isso já não lhe satisfazia.Perdera o elemento surpresa,disto tinha certeza.Errara a mão na estratégia.Erro seu comprometendo a luta.Diria seu Hino:

-Nessas coisas de guerra não se deve ter piedade.
    
   O silencio pesava.A calmaria antes da procela.Santa Cruz ladeado pelo negro Vicente,interroga:

- Como estamos, Vicente?

- Tudo nos conforme,Sinhozinho.
  
   O Dr. Santa Cruz escora o rifle na cerca,deita o olho na mira,tem como alvo a porta principal do casarão.
- Fogo!!!
     
   Rompe a fuzilaria.O primeiro a ser atingido foi o silencio.O inferno abriu as portas.
     
   Dois dias e meio durou o fogo do Amaro.Negociação de nenhuma parte houve.O ofício das espingardas não produz prisioneiros,mas sim,pasto para urubus.
     
  As balas feriam as paredes do casarão do Amaro,vespas de chumbo arrancavam lascas de portas e janelas.Pelas frestas os sitiados respondiam na mesma linguagem de fogo.
   
   Se por um lado o Dr.Santa Cruz tinha o negro Vicente auxiliado por seu Hino,dois cabras de fogo nas ventas,que comandavam o ataque,o Coronel Pedro Bezerra tinha o negro Zumba e Felipe Neri que sustentavam a defesa,e em nada ficavam a dever aos afamados espingardeiros.
    
    Felipe, desafiava seu Hino aos gritos – rixa antiga
- Seu Hino, cabra de peia! Se tu é macho,deita as armas e vamos resolver só nós dois,eu e tu na base do punhal,no terreiro da casa.
    
    Seu Hino em resposta:
- Apois saia,cabra fraco!
     
   Felipe não saiu.O coronel Pedro Bezerra não deixou.Felipe tinha família,precisava criar os filhos.
   
   Mortos haviam,e não eram poucos.Corpos espalhados no pátio da fazenda,denunciavam a face bruta da luta.No interior da casa-grande a situação era das piores.Mortos havia,a comida rareava,a munição estava quase no fim e a água,esta,acabara já havia horas.Diante do desespero daqueles homens mortos de sede,pisunhando sobre cascas de bala,o negro Antonio Zumba prontificou-se:

- Coronel,se o senhor quiser e deixar, eu rompo este cerco nos peito e vou buscar mantimento,munição e água.
   
  O Coronel Pedro Bezerra,alisou o farto bigode,foi até próximo a janela,olhou pela fresta,lá fora estava escurecendo.O fim estava anunciado.Durasse o que durasse,o tempo se media em balas.

- Zumba,se é pra se morrer,que se morra todo mundo junto.
  
  A noite caiu sobre o Cariri.De repente começou a trovejar no nascente,os trovões foram amiudando e logo se tranformaram em chuva gossa que desabou sobre o telhado do casarão. Zumba mais que depressa retirou algumas telhas da cobertura e a água rolou para o interior da casa em grande quantidade.Sede morta,luta viva. Zumba persignou-se:

- Coronel,milagre existe!
    
  Não se sabe quem,nem o exato momento.O certo é que a notícia chegou em Alagoa do Monteiro:

Lá pras bandas da Fazenda Amaro,o mundo tá se acabando na bala!
    
    O Tenente Raimundo Rangel,sabedor do fato,reúne a tropa e parte em marcha batida em direção ao Amaro.Chega atacando Santa Cruz e seus homens pela retaguarda.O ataque foi preciso,os policiais atiravam de ponto,e com tiro de mira não se brinca.O Dr. Augusto Santa Cruz recua,grita e ordena a retirada. Fugir,não fugiu,retirou-se em armas,porém,a escaramuça havia terminado e ele tinha perdido o embate.
    
   Um misto de alegria e alívio tomou conta dos sitiados ao deixarem o casarão e se reunirem no pátio. O pesadelo acabara. Agora era enterrar os mortos – os seus – porque inimigos não merecem covas. Inimigo,arrasta-se pelos pés e joga-se na Caatinga para servir de repasto a feras e urubus.
   
   O coronel Pedro Bezerra,ainda abalado com os acontecimentos,mas com passos firmes,desce os batentes que dão acesso a calçada da casa-grande,distancia-se um pouco,vira-se em direção a sua morada e parecendo não acreditar no que vê,fala baixinho alisando o bigode:


- Zumba é que tem sabedoria,milagre existe.

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