sábado, 7 de novembro de 2015



“O LAUDO CADAVÉRICO DE UM VIVO”


Por Sálvio Siqueira





Amigos (as), falar da morte de um fora – da – Lei, é uma coisa... Falar também de seus atos, façanhas e etc., mesmo que ‘criadas’, é a mesma coisa. Pelo menos perante o grande público.
No entanto, falar das ações daqueles que tinha, antes de tudo, a farda que representa a ordem e a honra de um Estado, é outra, e bem diferente. Mesmo tendo eles, agido contra a “Lei” que representavam.


Em 13 de junho de 1927, a cidade de Mossoró, RN, é ataca por uma horda de cangaceiros chefiada pelo intrépido pernambucano do sítio Pedra, município de Vila Bela, no Leão do Norte. O resultado da luta foi que o bando de cangaceiros, depois de mais de uma hora de batalha, fugiu deixando um cangaceiro morto, o cabra conhecido como “Colchete”, e outro  gravemente ferido, o cangaceiro “Jararaca”, que seria preso um dia depois, ou seja, no dia 14. 





Atualmente, um belíssimo prédio é muito visitado naquela metrópole por ser o Museu Municipal. Anteriormente, na época do ataque, o prédio era a Cadeia Publica. Local onde o prisioneiro, José Leite de Santana, ferido na altura do tórax e outro ferimento na região glútea, mais precisamente na altura da articulação coxo-femural do membro inferior direito ( o laudo médico,  não especifica o lado do membro, então, verificando um registro fotográfico, em que o prisioneiro encontra-se sentado, notamos seu calcâneo direito um pouco erguido do solo, deixando uma nítida impressão, que seria o mesmo estar traumatizado), é ‘alojado’ e medicado.






O cangaceiro preso, não mostra nenhum receio perante seus captores e, muito a vontade, depois de depor, concede uma entrevista ao jornalista Lauro da Escóssia. Nela, não mede, nem dosa o que diz, relatando ‘acontecimentos’, ‘fatos’ e ‘nomes’ que não poderiam ser proferidos para a população nordestina, e, por que não dizer, brasileira.


Rapidamente são tomadas as ‘devidas’ providências para que aquele ‘delator’, ficasse calado, para sempre.
“(...)Morreu porque sabia demasiado. Conhecia os meandros do banditismo profissional e as complexas ramificações de mórbido sistema. O depoimento do canganceiro prestado à polícia de Mossoró no dia 14 de junho – associado a entrevistas concedidas a jornais em dias subseqüentes – revelou informações de fato comprometedoras. O bandido pernambucano apontou coiteiros, protetores e financiadores das extravagâncias criminosas de Lampião. Tornou notória a delinqüente conivência de poderosos. Para policia não sobrou alternativa:
- Que seja silenciado o falastrão!(...)”. ( “LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE – A história da grande jornada”, DANTAS, Sergio Augusto de Sousa. Pg 286, Cartgraf Gráfica Editora. Natal, RN, 2005)





O cangaceiro, nota, talvez tarde demais, que tinha ‘caído em areia movediça’. Vendo a foice da morte escancarar-se diante de seus olhos, ainda tenta arranjar uma saída do tão profundo e negro buraco que, tendo entrado espontaneamente, tinha que sair. Pede ao carcereiro que “chame o Intendente Rodolfo Fernandes”. (FERNANDES, 197, P. 103).


Como é lógico, seu pedido não foi repassado para o Intendente.
Faltando uma hora a findar-se a noite e começo da madrugada do dia 18 para o dia 19, em frente a Cadeia Publica de Mossoró, um preso dorme profundamente quando, dois carros com vários policiais estacionam bem em frente ao prédio.
Sem delongas o preso é bruscamente acordado e escuta do policial que o acordou, que iriam para a capital do Estado.


Nesse momento, mais dois policias agarram o prisioneiro e, suspendendo-o o arrastam para fora do prédio. Naquele alvoroço todo, o preso refere que estar com os pés descalços e que, na cela, estão as suas alpercatas, que alguém pegue, pois não queria chegar à Capital sem. Alguém, dentre a escolta, diz que, lá chegando, ele lhe presentearia com um par novo.
Nesse momento, experiente como era, José Leite de Santana, deve ter percebido que seu destino, de maneira alguma, seria viajar para cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte, mas, que faria outra “viagem”.


Segue o automóvel pelas ruas desertas e silenciosas da cidade, dentro dele um “condenado” sabedor de seu destino. Rodaram, evitando os maiores logradouros e param diante daquele que seria, para sempre, o endereço do cangaceiro “Jararaca’, o Cemitério Publico.







Sua escolta era formada pelos “tenentes João Antunes, Laurentino de Morais e Abdon Nunes; mais os sargentos João Laurentino Soares,Pedro Silvio de Morais e Eugênio Rodrigues; mais os cabos Manoel e José Trajano; complentanto com os soldados João Arcanjo e Militão Paulo” (BRITO, 1996)





“(...) Homero Couto, o motorneiro, testemunhou ao escritor Raul Fernandes o início da execução:
O soldado do lado oposto, ( frise-se aqui, que ao descer um dos soldados puxar a perna ferida do preso, arrancando do mesmo um urro de dor), desferi-lhe  violenta coronhada de fuzil na cabeça, sem dar-lhe tempo ao mais leve gesto de defesa. Sucederam-se as pancadas. Tomavam proporções altíssimas, em meio ao silêncio da noite. Parecia que socavam terra. (FERNADES, 1985, P 2110)
Série de coronhadas caiu impiedosa sobre sua cabeça. Chegara a sua hora final. Encontrou ainda breve fio de voz para desabafar aos algozes:
_ vocês querem me matar, mas não vão me ver chorar de medo não! Nem pedir de mãos postas para não me tirar a vida! Vocês vão ver como é que morre um cangaceiro!* (Ob. Ct.)
Quando a barra do dia 19 vem formando-se o ‘Caso Jararaca’ está encerrado. Pelo menos para os mandantes, como para os autores, seria “prego batido e ponta virada” aquele assunto. No entanto, por mais que tente se esconder um crime é deixado alguma pista.



“(...) A causa atribuída à morte restou insofismavelmente escrita para a posteridade:
Projéteis de arma de fogo. Um atingido a região glútea, ao nível da articulação coxo-femural e, outro, alojado no tórax, no segundo espaço intercostal a dois dedos do externo.
E assim foi. Horas antes da execução e sob escuso pretexto de rotina, examinavam-se ferimentos de um corpo, sofridos durante uma batalha.
Logo depois se chancelava, com base em conclusões médico=legais, documento de óbito de homem ainda vivo. ”(Ob. Ct.)


O Dr° Sérgio Augusto de Souza Dantas, Juiz de Direito, em sua Obra Citada nessa matéria, em sua pesquisa para formulação do trabalho científico metodológico, na página 288, em NOTAS, na de nº 11 cita, em seu segundo parágrafo: “A data da realização do exame “cadavérico” de Jararaca é incontroversa.O documento – de indiscutível fé pública – é iniciado na forma seguinte: “Aos dezoito dias do mês de junho de mil novecentos e vinte e sete, nesta cidade de Mossoró, Estado do Rio Grande do Norte, pelas quatro horas da tarde, no edifício da cadeia Pública  desta cidade”. Como resposta à pergunta número 2 do laudo – a qual versava sobre  o motivo que originou a morte do examinando – a explicação dos peritos foi incontroversa: “Projétil de arma de fogo”. Não há, pois, como contestar o seu conteúdo.E nem indícios de uma trama para sua execução.”


* Em nota, o autor da Ob. Ct. frisa: “Há dissenso  quanto às últimas palavras de Jararaca, mas  o sentido final é o mesmo em toda as versões existentes”.


Fonte de pesquisa:
  
O Mossoroense
“LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE – A história da grande jornada”, DANTAS, Sergio Augusto de Sousa. Cartgraf Gráfica Editora. Natal, RN, 2005


Fotos:

“LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE – A história da grande jornada”, DANTAS, Sergio Augusto de Sousa. Pgs 442,443 e 444. Cartgraf Gráfica Editora. Natal, RN, 2005



PS// FAVOR CITAR A FONTE AO USAR A MATÉRIA OU AS FOTOGRAFIAS.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015



“A RODA DOS ENJEITADOS”



 Por Sávio Siqueira


                                                             mg-perez.blogspot.com


Existentes em Mosteiros e em conventos, a Roda dos Enjeitados, eram ‘portas’ com grandes cavidades um tanto cilíndricas, não de todo, e giratórias. Para que quem nelas colocasse ‘as crianças’, pelo lado de “fora” não fossem vistas por aqueles que as recebiam do lado de “dentro”, por trás das enormes muradas. Serviam, também, ou para isso foram criadas, para servir de uma inter ligação entre o mundo de fora e o de dentro. Eram feito doações aos que dentro moravam.

Após colocarem os objetos, pacotes ou outras coisas, a pessoa, do lado de fora, tocava uma sineta, normalmente amarrada por uma, ou há uma, corda ou cordão. Escutando o som da sineta a irmã “Rodeira”, espécie de plantonista com função de salva guardar a ‘porta’, fazia a mesma  girar, e a parte que estava do lado de fora, passava para o lado de dentro, deixando assim condições de serem pego as ‘encomendas’.

Depois de certo tempo, não só coisas materiais foram colocadas naquelas portas giratórias, crianças passaram a serem colocadas em seu lugar. Eram filhos de mulheres da rua, de mulheres que não queriam que soubessem da existência de seu filho, filhos de estupros, de ‘moças’ de famílias que os pais tentavam esconder que tiveram filhos, filhos de mães que não tinham como criar um filho... 



                                                            commons.wikimedia.org



As mães daqueles enjeitados, por vezes deixavam alguma coisa, como marcas e/ou fitinhas de determinada cor, na nítida intenção de mais tarde os reencontrarem. Só que, quando as crianças ficavam na idade de aprendizagem eram transferidas para uma outra instituição, a Casa da Pia, que os preparava para vida adulta.
Essa forma, maneira, foi tão utilizada que a partir de 24 de maio de 1783, através de uma Circular, o Intendente do Reino, Pina Manique, em Portugal, a reconhece oficialmente. Depois que foram oficializadas, recebeu o nome de “Roda dos Expostos ou Roda dos Enjeitados”. A “Casa dos Expostos”, “Depósito de Expostos” e “Casa da Roda”, foram designações que ‘correram’ em todo o Brasil, indicando os asilos de menores abandonados.


                                                      depressaoepoesia.ning.com


A vida no cangaço não era fácil para os homens que nele adentraram. Quando, em 1929, Lampião trás para suas fileiras a mulher, na pessoa de Maria de Déa, a Maria Gomes de Oliveira, a conhecida Maria Bonita, outros cangaceiros, nem todos, só aqueles com ‘destaque’, ficam com a liberdade de, também, trazerem as suas companheiras.
Conhecemos muitos casais que pertenceram há vários subgrupos como Lampião e Maria de Déa, Corisco e Dadá, Zé Baiano e Lídia, Zé Sereno e Cila, Gato e Inacinha, Moderno, depois Moreno, e Durvinha, Pancada e Maria, Mariano e Rosinha... e assim, muitos outros casais pertenceram as fileiras cangaceiras.
Dentre os afamados cangaceiros existiu Luiz Pedro da Ingazeira. Este , segundo consta o resultado de uma grande pesquisa, foi pai de uma  menina. 

Como era impossível criar seus filhos naquela maneira de vida, eles, os casais de cangaceiros, os ‘doavam’, entregavam suas crias a pessoas que confiavam e/ou que tinham condições de criá-las.


Certas noites, na roda da casa dos Enjeitados, deixam uma criança e, acompanhando a mesma, um bilhete que dizia chamar-se Maria e que era a mesma, filha do cangaceiro Luiz Pedro. 



                                                                 pt.slideshare.net




O pesquisador/professor Rubens Antonio, através de seu veículo de comunicação em massa, o blog cangaconabahia.blogspot.com, em uma segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012, as 18:05 horas, enriquece nossos conhecimentos, postando a matéria” Maria de Matos, filha de Luiz Pedro e Nenê”, fruto de pesquisa do historiador/pesquisador Orlins Santana de Oliveira, Membro do Instituto Histórico da Bahia.



A matéria nos relata que em março do ano de 1934, na localidade Jurema, distrito de Juazeiro, no Estado baiano, o chefe da estação recebe uma criança para ser ‘enviada’ para Capital do citado Estado. Quando, em  28 de maio do mesmo ano, chegam diante da “Roda dos Enjeitados”,  são colocadas na mesma, duas crianças, e que as mesmas eram crias de cangaceiros. Trazia junto a seu corpo, uma das crianças, uma menina, um bilhete que dizia tratar-se de “Maria” filha do cangaceiro Luiz Pedro.




 Transcrição do registro de entrada:
"Livro n.28 do Asylo dos Expostos
De 10 de Maio de 1934 á 21 de Novembro de 1935
1934
Maio – 28
Pelas 14 horas 1/2 foi posta na roda do Asylo de N.S. da Misericordia uma menina parda, com 3 mêses de edade, em bom estado de saúde.
Trouxe os seguintes objectos:
1 – Vestido com renda de bilro
2 – Fralda de morim velha;
3 – Touca branca com renda de bilro
e a seguinte declaração:
Maria – com 3 mêses de edade, filha do bandido.
Pae – Luiz Pedro
Mãe – desconhecida, vinda do Nordeste"

                                         cangaconabahia.blogspot.com
.



 Infelizmente, menos de dois meses depois de serem recebidas na “Roda dos Expostos”, “Maria”, vítima de uma pneumonia, falece.




"Transcrição das anotações do batismo e do falecimento:
Maria de Mattos
Baptisou no dia 29 de Maio de 1934
Falleceu de pneumonia, em 8 de Julho de 1934".

                                cangaconabahia.blogspot.com



“O VINGADOR DAS ALAGOAS”


Por Sálvio Siqueira





  "Um cangaço pós-lampiônico repontará nos anos 50 e 60,em grupos reduzidos, a exemplo de Floro Gomes Novaes, o capitão Floro da ribeira do Ipanema, com cinco homens, entre Alagoas e Pernambuco. Da esquerda, Valderedo Ferreira (lugar-tenente),o chefe Floro e Faísca c.1962. Cortesia de Valdir Oliveira, Recife, Pernambuco."

                                                    http://valdiroliveirasantos.blogspot.com.br

                                          Uma das mais conhecidas, e antigas, profissões do mundo é a de marchante. É aquele profissional que retalha a carne e as vende em porções pelo peso.
Na cidade de Capelinha, nas Alagoas, morava um cidadão que era marchante. Era o Sr. Ulisses Gomes Novaes. Foi assassinado por inimigos e com isso, os autores criaram um grande, sangrento e ferrenho inimigo.


                                           O Sr. Ulisses tinha um filho que se chamava Floro Gomes Novaes, o qual ficou na História sangrenta alagoana como Floro Novaes, “O Vingador das Alagoas”.
Segundo várias literaturas, matérias em blogs e sites, Floro relata: “- Não esqueço o dia em que encontrei o cadáver de meu pai estendido numa estrada. Vi a lama formada pelo sangue misturar-se a pedaços de couro cabeludo e à carne branca e espumosa do seu crânio esfacelada a coronhadas de rifle”. (http://www.anchietagueiros.com).


                                            Após tão horrorosa cena vista por um filho, o resultado foi catastrófico, no sentido humano/vingativo, na consciência de um de jovem de 18 anos. A violência, praticada em seu genitor, gerou outra violência, a partir de então, na mente e ações daquele moço.


-“Pelo sangue daquele que era meu sangue, o sangue dos que lhe tiraram sangue”(site ct), ao dizer essa frase, Floro parte para a matança. Mata sem dó nem piedade.


                                            Apesar de muitos o consideraram “Cangaceiro”, quando vemos suas estripulias, sabemos que há enorme ‘fosso’ que o separa de tal. Primeiro pela época em que iniciou seu ‘ciclo’ de matador, muito além do término do fenômeno cangaço, que, oficialmente, acaba-se em 25/26 de maio de 1940 com a morte de Crhistino Gomes, outrora o cangaceiro ‘Corisco’. Depois, pela maneira comportamental do pistoleiro. Os cangaceiros foram nômades, ele, Floro, mesmo depois de estar na fase de ação, fixa residência na zona rural de Águas Bela, PE.
                                             Na Fazenda Mamoeiro, no citado município, criava pequeno rebanho de caprinos, algumas cabeças de gado e era um dos maiores produtores de feijão ‘daquelas bandas’.
No período carnavalesco do ano de 1971, Floro, tenta combinar, com amigos da região em que morava fazerem uma caçada de veado na quarta-feira de cinzas, nas terras da Fazenda Riacho do Mel, no município de Águas Belas, PE. Tendo o amigo Mané Miúdo aceito, avisa que, junto a ele, iriam dois irmãos, Wilson e Américo, filhos do Sr. João Lins, cidadão bastante conhecido nas redondezas e de inteira confiança.

                                              A fazenda Riacho do Mel fica perto das terras de Floro, Fazenda Mamoeiro, e do sítio Passagem.


A seguir, transcrevo do livro "A morte de Floro Gomes Novaes e o aniversário da Sudene", de Reginaldo Heráclio, como aconteceu a ‘tocaia’, segundo o conteúdo literário, que pós fim a vida de Floro:


“(...) Na manhã do dia combinado, Floro mandou selar a burra, enquanto limpava a espingarda calibre 12. Revisou os cartuchos, colocando 14 no aió(bolsa que o sertanejo usa para caçar) e dois nos canos.
Calçou botinas, dirigiu-se para o curral e reclamou da demora do ajudante.

                                                             Foto meramente ilustrativa

                                                                  www.ebc.com.br

O bonito animal peidava, soltava coices, numa demonstração de que não estava para ser montado naquele dia.
- Sai daí fi da peste, deixa que eu selo.
Com trabalho e açoites o animal deixou o dono lhe preparar.
Floro passou a perna, juntou esporas no vazio, deu duas riscadas levantando poeira no terreiro.
D. Neném na porta de casa voltou a fazer o pedido do café;
- Fuloro, meu coração tá pedindo pra tu num ir. Num vá não meu fi!
- Besteira véia. Pru causa desse agôro a burra já tá cheia de pantim. Disse, apanhando a espingarda encostada na parede da casa.
Neste momento vai chegando Wilson. Vinha saber da demora:
- Seu Fuloro! O pessoá já tá lá no Riacho do Mé, isperando pelo sinhô. Me pidiro pra vim sabê se o sinhô ainda vai?

                                                         Foto meramente ilustrativa

                                                         www.diariodovale.com.br

Floro entregou a 12 ao rapaz:
- Vambora. Vai levando a ispingarda.
Ajeitou o chapéu de Sumé, presente de Sebastião Trovão administrador da Fazenda Carié, tocando montaria.
Viraram à direita ao atingirem a estrada Boqueirão-Águas Belas. Logo adiante dobraram novamente no mesmo sentido, pegaram a que segue para o Riacho do Mel.
Manhã bonita. Um concris saboreava flor vermelha do cardeiro. A bem-te-vi no topo de uma braúna soltava seus tristesvidas. O orvalho em folhas, absorvido pelos raios do astro-rei. Andaram um quilômetro.
Por trás de moitas de sacatinga, Jurandir de espingarda 20 e Alfredo de mosquetão. Revólveres 38 e respectivas facas à cinta. Moitas praticamente isoladas em campo aberto.
Floro nunca imaginou naquele descampado, lado esquerdo da estrada, dois homens escondidos e um objetivo.
Continuou a conversa com Wilson Lins. Versava sobre outras caçadas. Passagens pitorescas.
No passar em frente do piquete, o primeiro tiro. Jurandir endereçou-o ao ouvido esquerdo de Floro. Passou de raspão na testa, perfurando a aba do chapéu.
No estampido, Floro gritou:
- Solta a ispingarda e corre, senão tu morre, fi da peste!!!
Wilson o fez. Disparou na montaria. A burra empinou.
A parada propiciou Alfredo acionar o mosquetão. O balaço entrou à altura da costela mindinha. Saiu abaixo do peito direito, queimando o músculo do braço.
Floro caiu de tórax perfurado. Arrastou-se rapidamente apanhando a espingarda. Mirou as moitas e fez fogo. O esconderijo foi podado pelos caroços de chumbo da possante. No interior só os gravetos.
A dupla correu caatinga à dentro pelo mesmo lado esquerdo, após o segundo disparo. Atravessou a estrada na frente, pegando o lado direito.
8:30 horas. A dor asfixiando-lhe o peito. O ódio lhe mantendo de pé.
Disparou outro cartucho por cima de um repuxo de cerca em direção à capoeira. Outra tentativa vã.
Correr, não podia. Começou a insultar:
- Vem pra cá amarelo safado, pra gente morrê trocando tiro. E tome tiro.
Ficou brigando e falando, sozinho.
A burra havia fugido. Começou a caminhada de volta. Sacrificado, atravessou a cerca para atalhar caminho. Agarrando em tudo que servisse de apoio. Encurtava distâncias.
Dor e raiva aumentando, parava. Recarregava a arma e insultos:
- Corre fi da peste. Tu num é home mesmo. Corno safado!!!
Mais um tiro a esmo.
Os agressores já haviam chegado à umburana, onde deixaram seus aiós e o supérfluo. Lastimava Jurandir, apreensivo:
- O sirviço foi má feito. Perdemo a caçada.
- Pió é qui ele tá vivo e viu a gente. Completou Alfredo.
Na realidade, a umburana estava na rota do ferido. Todos convergiram num só ponto, após o atentado. Um devagar, os velocistas com tempo suficiente para alguns goles. Serenar nervos na fuga.
A cachaça passou queimando gargantas. O esforço contribuiu.
Na partida, o barulho. Garranchos quebrados, resmungos de ira.
- Óia quem vem ali. Disse em voz baixa Jurandir.
- É o home de novo. Completou.
Abaixaram-se, apontando armas.
A dor retira reflexos. Disparos quase simultâneos. O tiro de mosquetão atingiu o encontro da perna direita, partindo-a. O de espingarda, peito esquerdo. Cravou cinco rolimãs abaixo da clavícula, junto ao coração. Floro deu um pulo. Urrou igual fera atingida de surpresa. No cair, acionou o gatilho a copa da umburana.
Correram. Jurandir parou adiante:
- Vou pegá-lo de revólver.
- Num vá não, qui você num sabe cum quem mexeu. Advertiu Alfredo.
Nesse instante ouviram o berro:
- Tu me paga, fi da peste!
Pique final. Ferido mortalmente, não recarregou a arma, nem disparou mais. Restava cheio um cartucho. Talvez por precaução encostou no tronco de uma catingueira, arriando. Espingarda em punho. Descartar-se da bota da perna ferida cutucando-lhe o calcanhar com o bico da outra, o último esforço.
Tu me paga!!! Última fala.
D. Neném estava com a razão. Vários avisos aconteceram: a montaria; a coincidência de rotas; os resmungos. Todos negativos. Fatais.
Muita gente ouviu tiros. Na caatinga não desperta curiosidades muita coisa. Ninguém se atreveu investigar.
Wilson chegou a galope. Américo e Mané Miúdo uníssonos, perguntaram:
- Cadê Fuloro?
- Eu vinha cum ele e deram uns tiros na gente. Perto de Casa. Ele mandô soltá a ispingarda e corrê! É o que sei dizê!
Em direção ao local do tiroteio, acorreram. Distava uma légua. Resfolegantes, não encontraram nada.
Mané Miudo tomou iniciativa:
- Amériqui, vai na casa de Fuloro avisá a D. Neném:
- Num mi diga uma coisa dessa não meu fi. Pru Nossa Sinhora!!!
Iniciou a busca. À tarde choveu forte. A busca parou. A noite cobriu de manto escuro todo sertão em notícia. Comentários.
Uns achavam que Floro havia saído na trilha dos agressores; outros que estava morto de corpo escondido. Não havia sinais de sangue. Dúvida nas duas versões. Encontro com a polícia alagoana e prisão, outra hipótese levantada.
A chuva cessou pela madrugada. Estiou.
Ao amanhecer da quinta-feira, o mais sensato: todo mundo espalhado no mato, procurando uma pista, um vestígio, o homem.
O orvalho retido no verde molhava vestimentas.
Às onze horas, José Lins, primo de Wilson, avistou Floro sentado, espingarda no colo, olhos arregalados, rindo por ser cangulo:
- O home tá vivo!!! Gritou para o companheiro de procura.
- Adonde?
- Ali. Tá ferido, mai tá vivo.
Num tôvendo sangue. Vamo cum cuidado, que ele pode pensá qui nós e o pessuá qui imboscou ele e passa fogo na gente. Advertiu José Lins.
Chegaram perto e notaram a inércia, era cadáver(...)”.